O dia amanheceu com prenúncio de chuva. Somente com muita boa vontade é que consegui levantar da cama às 05h00min para arrumar as tranqueiras para mais um dia de pedalada.
Às 05h45, conforme combinado, Júnior Verona aportou lá em casa e saímos no rumo de Nísia Floresta-RN. No caminho uma ligação de Raimundo, apreensivo com o fato do seu ofertador de carona ainda não ter aparecido no local combinado.
Chegamos no pátio em frente da igreja católica de Nísia Floresta-RN às 06h20min e ali já estavam o casal pontual Flávio e Carol, Othon, Serginho e Henrique Júnior, este voltando aos pedais depois de longo e tenebroso inverno. Com pouco tempo chegaram Janiara, Neto e Miltinho. Não demorou muito foi a vez de Raimundo e Evandro surgirem.
Quase tudo pronto para saída e o meu telefone toca. Do outro lado da ligação Antonino Bezerrão informa que está chegando dentro de cinco minutos, pedindo carência no tempo de espera. Quando Bezerrão chegou já tratou de justificar o seu atraso: Pollyana ficou encarregada de colocar o despertador para 05h00min e não o fez, deixando assim o ciclista em polvorosa, tendo que acordar de modo açodado, quebrando todos os recordes de velocidade para chegar em tempo hábil.
Como é fato público e notório a pontualidade de Bezerrão e que via de regra seus atrasos são devidos ao outros fatores, sua justificativa foi aceita e depois de uma breve pose para foto com a Igreja Matriz ao fundo, iniciamos nosso percurso às 06h50min. O tempo continuava fechado e alguns pingos insistiam em cair.
Logo que deixamos Nísia Floresta e iniciamos o trecho de barro já concluímos que teríamos muita lama pelo caminho. Nos primeiros 5 Km o pneu traseiro da bicicleta de Janiara já baixou e foi necessária uma ação conjunta para trocar a câmara de ar. Foi a maior trabalheira para folgar a blocagem, tudo graças ao trabalho de força feito por Richard no dia anterior. O homem que agora tá puxando ferro parece que fez o seu aquecimento ao arrochar a blocagem. Foi preciso utilizar uma mão de força para abrir a blocagem, mas nem assim deu certo. Por sorte tinha estacionado próximo ao grupo um caminhão de carregar cana e o motorista gentilmente emprestou um cabo de aço e depois de vinte e oito tentativas conseguimos finalmente folgar a blocagem. Pense num negócio arrochado!!!
Depois do esforço acentuado e de vários “elogios” ao companheiro Richard seguimos o passeio.
Chegamos ao Distrito de Golandim e deixamos o pequeno trecho de asfalto para trás. Iniciamos pelo calçamento que rapidamente acabou e então começou um trecho de subida em estrada de barro. Ali o ciclista decide se vai continuar ou não. É uma subidinha cruel no barro de duro, mas quando você chega lá em cima tem uma linda visão de São José de Mipibu-RN.
Tem início o trecho dentro dos canaviais. Para nossa sorte tinha chovido e o solo estava molhado, o que deixou a areia mais compactada. Além disso tinha muita palha de cana espalhada no caminho, o que auxiliou em muito o nosso pedal.
De um lado e de outro é só canavial. Aqui acolá você se depara com resquícios da mata atlântica. Tudo muito verde e bonito. No ar o cheiro do vinhoto, impregnado com a cana. Se o cabra respirar muito forte é capaz de ficar embriagado.
É a terceira vez que faço essa trilha de bicicleta, todas por um caminho diferente. Tenho conhecimento que naquela região tem uma antiga estação ferroviária, mas por mais que tente nunca consigo encontrá-la. Ontem soube por um funcionário da usina que tínhamos passado bem pertinho, mas não compensava voltar.
Seguimos então no rumo do distrito de Sapé e percebi a apreensão de alguns colegas achando talvez que estivéssemos perdidos, mais ainda não foi desta vez. Passamos por umas trilhas estreitas entre o canavial e a mata. De fato, para quem nunca passou por ali, tudo é muito parecido e a impressão que se tem é que estamos andando em círculos. Asseguro a todos que se perceber que estamos andando em vão, gastando energias sem a certeza do caminho a ser seguido, serei o primeiro a avisar e buscar ajuda.
De Sapé para Arez é um pulo. Entramos pela cidade pelos fundos e justamente por trás da casa dos mortos. O cemitério de Arez tem um pórtico bastante antigo, sendo enaltecido por seu estilo, entretanto, percebe-se com clareza sua inclinação, dando a impressão que vai tombar para trás a qualquer momento.
Em total confronto com a arquitetura antiga encontramos um exemplo de como não se deve edificar a escada de uma residência. Na rua perpendicular ao frontispício do cemitério tem uma casa cuja escada de acesso ao primeiro andar teve sua base edificada na calçada. É isso mesmo, em plena calçada. Fizemos questão de registrar tão magnífica obra, possibilitando assim aos arquitetos do Rapadura tomarem como exemplo para seus futuros projetos.
No centro de Arez uma surpresa doce e agradável: o caldo de cana com cocorote no fiteiro de seu Antônio. O homem tem uma máquina bem limpinha e uns copos de alumínio mais ariados do que as panelas de Zezita lá de Nova Cruz-RN (depois eu conto essa estória). Não pense que é só chegar e pedir o caldo não. Tem todo um “prucedimento”. Primeiro seu Antônio raspa a cana, depois ele introduz a vara de cana com todo carinho nas entranhas da máquina, recolhe o líquido esverdeado em uma pequena poncheira de cor alaranjada, enfileira quatro copos de alumínio em cima do balcão, leva os copos até uma freezer e coloca gelo até a metade em cada um e, finalmente, como se estivesse regendo uma orquestra, derrama o precioso líquido dentro de cada copo, para somente então servir os clientes. Aquilo sim é que é presteza. Merece o selo “ISODOISMILHÃOEMEIO”. Não posso esquecer dos cocorotes. Todos embalados em sacos plásticos e ainda bem novinhos, como se tivessem chegado da padaria há umas três semanas. Uma “dilícia”. Basta dizer que foram consumidos diversos pacotes da iguaria, sendo que a grande responsável pelo estrago foi Janiara, que comeu tanto que sentou no chão.
De bucho cheio e com a glicose devidamente ajustada seguimos o nosso caminho. Passamos ao lado da lagoa de Araunu (já foi objeto de outra postagem), enfrentamos o típico massapê, pedalamos por um verdadeiro túnel de plantas e já chegamos dentro dos limites de Georgino Avelino. Nesse trecho eu me entusiasmei com a decida e esqueci de continuar em frente, deixando assim de visitar o Bar da Ostra. Saímos então no Distrito de Carnaúbas e a rua principal estava tomada por pessoas vindo de um cortejo fúnebre.
Às 11h00min já estávamos de volta a Nísia Floresta. Passamos pelo enorme baobá no centro da cidade e ali o Professor Raimundo já tinha deixado um ex-aluno seu para orientar os demais ciclistas qual o caminho até a Bica. Lá chegando tomamos um banho maravilho, com água abundante e na temperatura certa.
De Nísia Floresta a grande maioria retomou o caminho de casa, entretanto, segui com Júnior Verona, Raimundo, Evandro Bebê e Antonino Bezerrão até a cidade de Monte Alegre-RN, pois Júnior tinha que fazer o pagamento do caseiro. Ali chegando quem apareceu foi Zé Sanfoneiro e seus filhos procurando por Afonso Aderaldo que disse que ia contratá-lo para um show no Teatro Riachuelo. Como o Ministro Afonso não se fez presente e para não desanimar o artista e sua prole, Júnior Verona resolveu fazer um contrato de uma hora, de forma que ficamos até às 14h30min (muito a contra gosto, diga-se de passagem) tomando algumas cervejas prestes a vencer e comer uns nacos de carne que surgiram repentinamente em cima da churrasqueira.
Enfim, efetuado o pagamento e dispensado o serviço artístico de Zé Sanfoneiro tomamos o rumo do lar, todos cansados mais felizes por mais um dia de pedalada. Como diz um amigo meu: “Eu poderia tá roubando, eu poderia tá matando, mas eu tô é pedalando”.