24/10/2016

Pedalando na "Atlântida do Sertão".

                                                                    "Atlântida Do Sertão" é o nome fictício ´batizado´ por Arleno                                                                                 Farias a sua cidade, São Rafael - RN; em seu poema original                                       que dá nome ao seu primeiro álbum".


São Rafael é uma pequena cidade do Rio Grande do Norte, localizada na microrregião do Vale do Açu e distante aproximadamente 220 Km da Capita Natal. A história da cidade passou a ser recontada a partir do início da década de 1980 quando ela foi integralmente coberta pelas águas, em razão da implantação da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves. O assunto foi tema do noticiário nacional, especialmente em razão do seu surrealismo, aliado aos efeitos sociais e econômicos da medida.


Localização de São Rafael no mapa do Rio Grande do Norte.
Temos no grupo Rapadura Biker o colega Moab Felipe, nascido naquela região e que mesmo estabelecido em Natal há muito tempo não abandonou suas raízes, aproveitando sempre os momentos de folga para visitar os parentes e levar suas filhas para conhecerem e desfrutarem das coisas das terra, aproveitando assim para mergulhar no passado e ao mesmo tempo fermentar nas crias o respeito pelas tradições.

O tal do Moab.
O convite para pedalar em São Rafael estava em aberto já fazia uns três anos, faltando somente a oportunidade certa. Agora, com a proximidade da ida de Moab e sua companheira Jac às terras lusitanas, o projeto ganhou vida e foi designado o final de semana dos dias 15 e 16 de outubro para a empreitada.

Saímos de carro de Natal, seguimos pela BR 304 e antes de Açu entramos à esquerda na RN 118. Já no centro da cidade não foi difícil encontrar a Pousada São Rafael, situada em frente à praça. Desembarcamos as bicicletas e sentamos para repassar a programação, ficando acertado que tomaríamos café o mais cedo possível e imediatamente iniciaríamos a trilha passando pela Fazenda Lájea Formosa, inscrições rupestres da Pedra Ferrada e terminando no Casarão do Barão da Serra Branca. A região, apesar de ficar ao lado da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, é extremamente seca, sem áreas de sombra e com muitos espinhos, exigindo assim um veículo de apoio para evitar surpresas, mormente uma insolação. Isso mesmo, o calor é demasiadamente extremo, tipo 40º com sensação térmica de 45º.

Da esquerda pra direita: Benilton, Cláudia, Rosana, Jodrian, Alex Alcoforado, Rochinha,  Júnior Verona, Jac e Moab.

Seguimos pela RN 118 no sentido de Jucurutu e ao chegarmos na entrada do cemitério deixamos o asfalto para iniciar o trecho de terra. Ao longe avistamos as formações rochosas da região e não importa para qual lado você olhe a presença do verde é quase nenhuma. A típica vegetação da caatinga compõe o cenário e a pedalada vai sendo feita em cima de uma areia branca, trazendo à mente aquela música entoada por Sá e Guarabira: “O sertão vai virar mar, dá no coração...”.

A nossa caatinga.

A Lájea Formosa.
 Em alguns trechos você sai um pouco da estrada e pedala por singletracks paralelos, porém, a atenção deve ser redobrada, pois se você perder a trilha é pneu furado na certa.


Singletrack aqui é o caminho dos bodes e do pouco gado.

Combustível puro.
No caminho encontramos casas abandonadas e quanto mais nos embrenhamos na caatinga, mais quente vai ficando. É impossível não pensar nos cangaceiros e nas volantes em suas contendas dentro do mato, tendo como principais testemunhas o carcará, as cobras e os calangos, aliás, ainda fortemente presentes no lugar.

É difícil permanecer.

Como essa existem muitas.
Paramos na porteira de entrada da Fazenda Lájea Formosa e fizemos o devido registro fotográfico, sempre mirando a formação rochosa ao fundo – a Lájea Formosa – pois nosso plano era conhecê-la de cima.

Entrada da Fazenda Lájea Formosa.

Saímos um pouco da trilha para pedalar em cima das rochas e, de modo unânime, todos lembraram do Lajedo de Pai Mateus, na cidade de Cabaceiras-PB, local comparado por alguns ciclistas ao deserto de Utah, no Estados Unidos. A diferença é que lá tem o Deserto de Moab e aqui nós temos o Moab da Caatinga.

Pedalar em cima das enormes rochas é uma emoção diferente, principalmente quando imaginamos quem passou por ali há milhares de anos. A região tem estudos da década de 50 demonstrando a presença de animais de grande porte (preguiças, tatus gigantes e tigres dente-de-sabre), encontrando-se o material no Museu Câmara Cascudo, em Natal-RN (http://mcc.ufrn.br/).

Como o nosso grupo é muito eclético tivemos a sorte de contar com a presença de Alex Alcoforado, geólogo, que deu uma verdadeira aula sobre as formações rochosas por nós vivenciadas. Depois desse dia nenhum dos presentes vai chamar rocha de pedra.

A sensação é diferente.

Alex Alcoforado explicando sobre as rochas.

Parece um parque de diversões.



Foto conceitual.

Voltamos à trilha, abrimos duas porteiras, passamos por dentro de um sítio com uma criação de bodes. Uma moradora ficou admirada com nossas bicicletas e perguntou: “vão pra onde assim?”. Respondemos: “pedalar nas rochas”. Ela continuou admirada e provavelmente não entendeu nada, mas não deixou de dizer um "Vão com Deus!".

A mulher dos bodes.

Saímos um pouco da estrada principal e entramos numa trilha à esquerda, logo chegando a outro lajedo, cuja marca principal é uma enorme rocha em destaque ao fundo – a Pedra Ferrada. De longe já é possível avistar as pinturas rupestres, com vários registros de mãos impressas na superfície rochosa. Abaixo da rocha é fácil identificar um desenho de uma serpente e outros desenhos nos transportam ao período remoto que alguém ali esteve e nos deixou aquelas mensagens.

Local de sombra.

Pedra Ferrada.


De volta à trilha e agora com o calor mais intenso ainda, já passando das 11h da manhã, encontramos uma bifurcação em T, visualizando à direita um pequeno ajuntamento de casas nas proximidades da imponente Serra Branca. Nosso destino, no entanto, estava à esquerda. Pedalamos um pouco e percebemos um local com área verde, um verdadeiro oásis naquele deserto. Ao lado, apesar do adiantado estado de degradação, o ainda imponente Casarão do Barão da Serra Branca, com espetacular vista para a serra do mesmo nome. Anexada à casa grande, mas separada por razões óbvias para aquela época, a Casa da Baronesa. Ouvimos a seguinte explicação acerca da separação das casas: “Durante o dia a Baronesa fazia companhia ao Barão, mas quando a noite chegava o Barão tinha a companhia que assim desejasse”.

Casarão do Barão da Serra Branca.

Casa da Baronesa.
Fizemos uma visita pelo Casarão e observamos indícios de arquitetura portuguesa no lugar. Lamentamos demasiadamente o abandono e mais uma vez ficamos entristecidos com a falta de cuidado do Poder Público com o nosso patrimônio histórico.

Dentro do Casarão.
Já estava no “pingo do meio dia” e optamos por não voltar pedalando, pois afinal de contas foram 20 Km, sendo mais prudente voltar de carro e assim fizemos, exceto Moab que tinha vindo dirigindo e queria ser despedir do local em grande estilo. Montou na bicicleta e encarou o sol extremamente forte.

No dia seguinte optamos por fazer um trekking até o topo da Lájea Formosa. Fomos de carro até a fazenda e lá fomos recebidos pelo proprietário, apresentando a casa grande e mostrando o cuidado em manter a história preservada. Para acessar a Lájea contamos com Diógenes, filho do proprietário, profundo conhecedor da região e que nos levou pelo caminho menos íngreme. A subida exige um médio esforço, mas cada centímetro caminhado compensa. Do alto temos uma visão de 360º, enxergando o Pico do Cabugi, a cidade do Açu, a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves e as Torres Eólicas de Bodó. O Vento agradável aplaca o calor intenso e ali nos sentimos um pouco mais perto do céu.

Preparativos no alpendre da Fazenda.

Hora de subir.

O visual compensa.


De volta à cidade, fomos então visitar a "Atlântida do Sertão", a antiga São Rafael, tomada pela águas da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves na década de 80 e hoje, em razão da forte seca, as ruínas da cidade estão vindo à tona, trazendo aos antigos moradores muitas lembranças e causando aos visitantes uma sensação de espanto e incredulidade. Registramos os degraus da Igreja Matriz e a situação da água do nível da água da barragem. Um cenário de tristeza. 

Aqui era a Igreja Matriz.

Aqui foi uma cidade.

Para quem não conhece e deseja pedalar na caatinga, eis uma ótima oportunidade. Necessário lembrar, entretanto, que a Lájea Formosa encontra-se dentro de uma propriedade privada, exigindo contato prévio para obter autorização.
Maiores informações é só entrar em contato por e-mail: rapadurabiker@gmail.com


Um comentário:

Francisco Leido disse...

Excelente o relato de vocês, parabéns. Sou motociclista e adoro viagens de aventura como essa, vou anotar no meu caderno esse roteiro para uma futura viagem.